quarta-feira, 26 de outubro de 2011

A cantora

Nunca passara despercebida. Nem quando adolescente, nem quando criança, e agora, muito menos, quando mulher. Era de se admirar. Sorriso cativante, corpo franzino, como de uma criança. Alma de adulta.

Ela gostava de todos. E de muitas coisas, ao mesmo tempo. Tinha talento pra tudo, bom, quase tudo, ninguém tem talento pra tudo. Mas ela conseguia atrair a atenção apenas enquanto caminhava. Seu caminhar, seu andar, seu corpo, suas mãos, tudo parecia estar em perfeita sintonia com o universo.

Mas foi quando ela cantou que mais me impressionou. Digo isso porque, admitindo nossa falha em julgar as pessoas pelo físico, nunca imaginava que aquele corpo pequeno teria uma voz tão cativante. Linda. A sensação que senti foi de pura clareza. Segurei as lágrimas que me vieram aos olhos porque sabia que estava em local público, mas por dentro, ah, por dentro eu chorava de emoção.

Ela, que já atraía pelo caminhar, chamava ainda mais atenção no palco. Quantas pessoas na platéia? Uma? Duas? Cem? Não importa. Ela estava sozinha com seu violão, uma pequena solitária que tinha aos pés quem a ouvisse. E não importava a canção, sempre conseguia cativar de forma incrível.

A cantora me impressionava a cada conversa. Cada dia me mostrava uma de suas facetas, personalidades, conversas sérias e até mesmo libidinosas. Como era linda! Seus olhos, como seus olhos eram expressivos. Eu me apaixonei. Não por ela, não de forma carnal. Espiritualmente falando, ela me atraía a alma.

E foi assim, que a menina-mulher-cantora me cativou. Cada dia com um jeito, uma novidade. Ela nunca é tediosa. Sabe se portar em cada ocasião. E é incrível como hoje, eu penso nela com tanto carinho e respeito. Quero ser como ela. Quero ser ela!



Escrito por Anne Moura (que vai me pagar por essa) do blog
http://pimentando.blogspot.com

segunda-feira, 24 de outubro de 2011

#Diário de Madalena

Lembro-me que na quarta ou quinta vez, não sei ao certo, prometi que não mais aconteceria. E cá estamos nós, na nonagésima quarta? Parei de contar na vigésima. Pensei nos motivos que me faziam recuar e eles não me eram suficientes. Além disso, eu não seria Madalena se cumprisse minha promessa.

Pra ele, era como se a culpa o vigiasse, mas o retrato dela no criado mudo nunca me incomodou. Cada vez fico melhor em ser o que escolhi ser. Sim, porque não culpo o destino, nem o capeta, nem o fogo da paixão que, dizem, faz você sair de si e cair em tentação. Não conheço de tentação. Conheço de escolhas.

Escolhi vê-lo chegar, pra logo depois sair. Escolhi nunca ter dia certo pra o encontrar, mas saber a hora exata de desaparecer. Escolhi não poder ligar a qualquer hora. Escolhi não cobrar, não possuir.

Cuidar pra não deixar rastros, marcas de unhas, manchas de batom. Não usar com ele o perfume de bom fixador, que ela provavelmente chamaria de “barato”. Essas são formas sutis de dizer “Eu te amo”. Ou, pra ser mais clara, mais Madalena, são formas de dizer: “Quero continuar f*dendo com você, sem f*der a sua vida”. E eu acho que ele entende (e agradece).

segunda-feira, 6 de junho de 2011

No canto

Perdi a conta das vezes em que me escondi nos cantos
No canto das canções que canto
Ou no canto dos contos que invento

Sempre achei que houvesse encanto em cantar o que nunca conto
Pra não descontar no outro o que só é da minha conta

Junto mágoa, saudade, lembrança
medo, desejo, esperança
No canto das canções que canto
No canto dos contos que invento



quinta-feira, 12 de maio de 2011

Dilema

Era primavera quando decidi não mais decidir. Depois de muito caminhar, deitei por sobre a grama, debaixo do ipê que amarelava a paisagem, perto da praça. Sua sombra me acarinhava, vista e pele, ardidas do sol. Pus os óculos escuros de canto e me perguntei, depois de um ou dois suspiros:
- E se eu jogasse uma moeda pro ar?
O vento, manso e fresco, parecia querer opinar. Ele soprava a favor de Jerônimo, assoviando em meus ouvidos algo que me fez lembrar aquela velha canção que tanto embalou meus antigos sonhos proibidos. Antigos, porque mais tarde, Jerônimo e eu fizemos questão de realizá-los todos, quase que de uma só vez.
Mas eram sonhos demais pra uma noite só! Ao pensar nisso, era impossível não me escapar um sorriso pingado de malícia, do canto da boca.
Já os passarinhos... Estes eram do time de Heitor. Primeiro porque ele também era cantador, dos que acham tudo sempre lindo, mesmo em dias de muito chover e muito trovejar. Eles estavam eufóricos, cantando ao redor, como quem dizia: "É ele, Helena! É ele! Não o deixe escapar."
Lembrar de Heitor também me fazia sorrir. Mas era um sorriso diferente, desses que te deixam com cara de bobo, mas que, ainda assim, te iluminam o rosto.
E eu sorria bobamente por alguns segundos, lembrando de Heitor, induzida por sabiás e canários, até vir o vento me assoviando cânticos proibidos, acendendo pensamentos libidinosos e arrepios de desejo.
Pus então as mãos nos ouvidos, a fim de tapá-los, e não mais ouvir a natureza, já que ela não parecia querer ajudar. Levantei subitamente, fui até a praça calçada e tirei a moeda do bolso.
- Cara, Jerônimo; Coroa, Heitor.
Fechei os olhos e joguei-a desastradamente para o ar. Alto demais, longe demais e, ainda assim, esperei ouvir algum som que indicasse que ela havia tocado o chão, mas nada. Abri lentamente os olhos, voltados para baixo. Eu ansiava e ao mesmo tempo sentia receio pela resposta.
Pensei ter perdido a moeda valiosa, incumbida de tamanha missão, quando me dei conta de que logo ali à frente, passos lentos em minha direção, estava a minha resposta.


- Procurando sua moeda? – perguntou o moço de olhar estranhamente familiar, vindo de não-sei-onde, pra nunca mais voltar.



-Si-sim. – gaguejei.




- Aqui está.


- Obrigada! - sorri envergonhada.


- A propósito, me chamo Carlos.


- Me chamo Helena.


E foi assim, sem tirar nem pôr, que entre a cara e a coroa, escolhi o acaso.

terça-feira, 15 de março de 2011

Sugoletas

Borboletas no estômago? Nunca tive.
Sanguessugas de asas, quem sabe... Chamo carinhosamente de "sugoletas".

quarta-feira, 16 de fevereiro de 2011

O velho pires vazio



Acordei atordoado com a barulheira que fazia no prédio. Tive a velha impressão de sentir o cheiro forte do café que por anos me serviu de despertador. Deve ter sido um sonho, pensei. Odeio sonhos reais demais, desses que te enganam com cores vivas, cheiros e sabores - cheiro de passado e sabor de saudade que, por madre de dios, nunca vi tão amargo.

Sempre achei que não houvesse no mundo nada mais amargo do que o café de Clarisse. Até experimentar, numa monótona manhã de domingo, o café sem Clarisse. Clarisse, minha ex-futura esposa. A dona do pires que eu ainda ponho à mesa, no café. Por último e não menos importante: a futura mulher do meu vizinho de porta.

A barulheira que me fez despertar nada mais era do que o alvoroço de vizinhos a preparar um chá de cozinha que por pouco não era meu. Mas que ainda era dela. Da dona do velho pires vazio que se casaria com o cara que, não satisfeito em ter minha mulher, tinha também o meu nome. Que se dane. Não me sinto ofendido. Mas volta e meia ouço Clarisse chamar por ele e acho graça de como a vida às vezes parece gostar de nos testar.

Só por hoje eu quis novamente pôr dois pires sobre a mesa onde, é certo, há muito repousa uma só xícara. Dois pires, uma só xícara e um café com muito, muito açúcar. Acendo um cigarro e imagino aquela mulher aos gritos em meus ouvidos a reclamar da fumaça. Por segundos tento me convencer de que as coisas estão melhores agora que tudo pode ser do meu jeito.

Eu, um sonhador de sonhos reais, desses que têm cheiro e gosto de saudade. Eu, que acordo sentindo falta de um café que, por deus, sempre achei amargo demais, mas que hoje percebo tardiamente o quanto adoçava minhas manhãs. Eu, vizinho de porta de mim mesmo, do meu passado e ao mesmo tempo do que um dia acreditei que seria meu futuro, tomei uma decisão: Jogarei fora o pires vazio.

quinta-feira, 10 de fevereiro de 2011

Beijei um cadáver



A boca tinha o mesmo gosto, mas o beijo já não causava o mesmo efeito. Ele não causava efeito algum. “Beijei um cadáver”, pensei. Morto por si só.

E o sereno me caiu sobre o rosto, indo em direção a boca, e era tão salgado como se água de mar fosse. Isso porque, de gaiato, misturou-se no meio do caminho às lágrimas que derramava por tudo que não sobrou de nós.

Odeio enterros. Quase sempre chove.

sábado, 29 de janeiro de 2011

Calma, Madalena!


“Madalena, Madalena, Madalena, Madalena, Ma-da-le-na! Ma-da-le-na! Madalena, Madalena, Madalena, Madalena...”

Você já repetiu seu nome mil vezes, rápido, devagar e depois rápido outra vez, até que ele começasse a soar estranho, como se perdesse totalmente o sentido? Sempre faço isso. É engraçado e me lembra o Casé, meu amigo de infância, que foi quem me ensinou essa bobagem, há muito, muito tempo atrás, quando não tínhamos mais nada pra fazer, além de falar besteira e contar bolinhas de gude.

Ma-da-le-na! O povo diz e assino embaixo, sem culpa cristã alguma, que faço jus ao meu nome. Mas sobre isso não falo com ninguém, além do Casemiro, claro. Ontem fui visitá-lo. Eu precisava desabafar, e o Casé sempre foi um bom ouvinte. Hoje então, nem se fala.

Mesmo sendo tão diferente e tão cheio de escrúpulos o Casé nunca me julgou. Da minha vida soube de tudo, desde as peraltices de criança, até as safadezas de “mulher rodada”, como dizem por aqui. E ele sempre foi de ouvir calado, arregalando os olhos e pondo a mão na boca, de quando em vez. E eu me perguntava como, depois de tanto tempo, ele ainda se surpreendia.

Eu e esse meu costume de despejar sobre ele a minha indignação com a vida, a morte e com meus casos e acasos. Mas qualquer que fosse a pauta do dia “Calma, Madalena, calma!” era tudo o que ele dizia e, por fim, me abraçava. Ele me conhecia como ninguém. Meus defeitos, meu egoísmo, minha falta de comprometimento e responsabilidade com o que quer que seja, e meu talento sobrenatural pra magoar pessoas e descumprir promessas. E ainda assim, arriscava-se a ser meu amigo. Sim, porque era um risco.

Quando éramos crianças, eu escondia seu saco de bolinhas de gude sempre que queria sua atenção só pra mim. E ele bem que sabia, mas fingia não perceber. E fingia procurar, depois fingia desistir. Só pra ceder ao meu capricho. “Ah, depois elas aparecem, não é, Madalena? Vamos brincar”. Esse Casé! Sempre dividido entre a Madalena aqui e suas bolinhas de gude.

Ele tinha bolinhas de gude de todas as cores e tamanhos. Fazia coleção. Acho que mais gostava de apreciá-las, do que mesmo de brincar com elas. Costumava contá-las todos os dias, uma a uma. E eu, enciumada, mas sem ter o que fazer, assistia. Era quase um ritual. Duzentos e setenta e nove, a última contagem que me recordo. Quase sempre eu o distraia e o fazia perder a conta. Mas ele nem reclamava. Era um prazer voltar a contar tudo outra vez e repetir sorrindo a cada contagem “Olha, Madalena! A minha preferida. Tem a cor dos seus olhos”.

Naquela época, meus olhos eram mais azuis. Sei disso porque, vez por outra, fito meus olhos no espelho e os comparo a bolinha de gude favorita do Casé, que guardo até hoje, junto às outras duzentas e setenta e oito, é claro. Tá, são duzentas e setenta e cinco. Perdi três. E faz tempo. Mas só ontem tive coragem de contar tudo pra ele.

A visita de ontem foi rápida. Eu tinha bebido um pouco, pra variar, mas acho que me lembro de tudo que disse. Até porque, o discurso era quase sempre o mesmo.

"Oi, Casé. Que saudades! Faz tempo que não venho aqui. Vim te contar as novas, apesar de saber que pra você nada é novidade. Ainda mais nessa cidadezinha de merda, onde tudo se sabe e nada se vê. Continuam dizendo o mesmo de sempre por aí 'Ela não presta, ela não presta'. Ora se não! Claro que presto! Presto pro que não devo e sirvo pro que não presta, não é, Casé? Sirvo de referência para pais e mães que me apontam na rua para seus filhos 'Olha, aquilo é a personificação do pecado e do erro. Um exemplo de como não se deve ser, crianças'. Sirvo de assunto pra rodinhas de conversa do clube do Bolinha e da Luluzinha que são loucos por uma safadeza e se escondem por trás de pudores e medo, mas fantasiam e se divertem por tabela com as mais libidinosas histórias alheias – as minhas, no caso. Falar de mim é uma diversão. Afinal, quem aqui tem uma vida tão emocionante? Você sabe que não ligo pra nada do que dizem. Acho até engraçado. Enfim, sou Madalena, né, Casé? Faço jus ao meu nome. Não chego a ser prostituta, mas sei do que gosto. E gosto é de dar pra um e pra outro. Mas, como diz a história: 'quem não tem pecado que atire a primeira pedra'. Não, Casé, não voltei a acreditar em Deus, mas conheço as histórias da Bíblia. Apesar de tudo, sou estudiosa. Mais por curiosidade, do que por preocupação com o futuro, ou qualquer outra coisa e você sabe bem. Culpa cristã... Quer saber do que a culpa cristã me livrou, Casé? Ela só me livrou de dar pra quem eu queria e de xingar quem merecia. Você é o culpado pela única culpa que me persegue. Eu lá vou sentir culpa, se não faço mal a ninguém? Dizem que faço mal a mim mesma, mas penso que a vida foi quem me faz mal, me tirando você. Sim, porque se você fez o que fez, é porque a vida não estava sendo fácil, e eu me pergunto onde eu estava que não percebi. Talvez entretida com os mandos e desmandos desse rei que impera na minha barriga. Sei que você não gosta quando toco nesse assunto e eu já disse que te perdoei, mas enquanto não tiver coragem de fazer o mesmo que você, vou me perguntar o porquê disso tudo. Tô tentando viver a mil por hora, que é pra ver ser chego por aí mais rápido. Aí quem sabe você me conta por que quis ir embora mais cedo, e assim eu deixe de me culpar por ter sido uma amiga tão relapsa. Tá, já sei. Consigo ver, de olhos fechados, você arregalando esses olhos e pondo a mão na boca 'Não diz isso, Madalena'. Mas é a verdade, Casé. E pra você nunca menti. Falando nisso, preciso lhe confessar algo. Perdi três de suas bolinhas de gude! Mas por favor, não fique chateado. Foram as mais velhinhas. Quebradas até, lembra? Juro que terei mais cuidado.
Bom, preciso ir, Casé. Já está escurecendo. E, não que eu morra de medo, mas cemitério a noite é macabro. Volto amanhã, prometo!"

E eu não voltei. Acho que chegou a hora de enterrar isso de vez. Agora me sinto corajosa demais pro meu gosto. É contraditório, eu sei, mas tanta coragem assim me dá medo. Sei que prometi ao Casé que ia voltar, assim como prometi jamais seguir seu exemplo ridículo. Mas o Casé sabe que nunca cumpro minhas promessas.

terça-feira, 25 de janeiro de 2011

Vamos doar conhecimento?

Há quem goste de fofoca é há quem goste de espalhar boas novidades. Que tal espalhar essa aqui? ;) Vale a pena!






Livro é conhecimento, e conhecimendo não se perde quando se doa. Dividir o conhecimento com alguém é uma forma de multiplicá-lo. Então...

#VamosDoarConhecimento?

Este é o convite feito, primeiramente, pelo movimento Quem Escolhe Somos Nós e pelo Supermercado Araújo. Mas que tal convidar, você também, os seus amigos, familiares, clube do Bolinha e da Luluzinha a fazerem o mesmo?

Seja um doador de conhecimento! Contribua com ação doando livros de literaturas e gibis. A cada livro doado, em qualquer que seja a loja do Araújo, você receberá um cupom para concorrer a um iPad e um netbook. A intenção do movimento é montar salas de leitura em diversas instituições. Não esqueça que passar a idéia adiante também é uma forma de colaborar. Divulgue em seu blog, twitter, ou a rede social que preferir. VEM GENTE! ;)

Sigam: @Quem_Escolhe
Tuitem a hastag: #VamosDoarConhecimento

sexta-feira, 21 de janeiro de 2011

Solilóquios 1.

Tenho pra mim que as pessoas serão mais felizes quando aprenderem a acolher melhor a tristeza, quando esta se pronuncia. E quando jogarem fora seus livros de autoajuda, seus sorrisos amarelos, e vestirem a roupa da dor até que ela se desgaste. Parei de me dopar. Falsa alegria cansa.

quinta-feira, 13 de janeiro de 2011

Sorriso Amarelo

‘Tudo bem, João?’ pergunta a Maria. ‘Tudo bem, Maria!‘ responde sempre o João. E ele sorri amarelo, mesmo com aqueles dentes tão brancos de quem não fuma, nem toma café. E quando lhe é difícil respirar, lhe dói o peito, lhe gela o estômago, lhe incomoda um nó que não desata na garganta “Estou bem, Maria” responde João que só sorri amarelo, com aqueles dentes tão brancos.
Um dia andava na rua e vi João passar. Ele andava devagar, como se nem bem quisesse chegar a lugar algum. Olhava pra baixo e nunca pra frente. “Por que você não olha pra frente, João?” E ele me sorriu amarelo, com aqueles dentes tão brancos, de quem não fuma, nem toma café.
É que um dia, olhando pra frente, João viu Maria. “Tubo bem, Maria?” disse o João. E Maria lhe sorriu. E o sorriso de Maria não era amarelo, os seus dentes sim. Era um sorriso colorido e sincero, de quem não carrega dor no peito, nem frieza no estômago, e nem sente nó algum intalado na garganta. Seus cabelos tinham cheiro de cigarro, e João lembrou o beijo gosto-café, que Maria lhe dava todas as manhãs.