"Quem pode mais do que Deus?", dizia o vô Said debochando da minha juba, quando me via acordar pela manhã. "Vem aqui, ô, Maria Betânia, vamos tomar café". Eu odiava. Chorava, esperneava... Afinal, eu era uma criança sofrendo bullying pelo avô. E hoje me vejo aqui, com o cabelo estirado da progressiva e sem o meu chato predileto. Sempre achei a expressão "aniversário de morte" escrota. Mas faz um ano que ele se foi. Apesar de sentir que entre nós faltou convivência, sei que me sobram lembranças dignas de nota, porque ele era daquele tipo de gente que não passa despercebido. "Primo, sabe da última?", e danava a contar a piada nova. Eu lembro da última, na mesa do almoço, comendo um cozidão... Sinceramente, não vi a menor graça no enredo, mas o piadista era bom. Eu lembro muito bem dele espremendo o limão e rindo sozinho, repetindo o final. "Manja, Alzira", e ria, ria... Às vezes eu acordo e me vem o velho bordão na cabeça. Agora, sem choros de raiva, só de saudade, posso responder: quem pode mais do que Deus? Ninguém, vô. Ele decidiu, há um ano, que estava na hora de findar com as piadas. Decidiu que era chegada a hora do teu descanso. Mas tem um pedacinho de ti em cada filho e neto presepeiro e feladaputa (aquele velho apelido carinhoso) que você deixou, visse?
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