Nada nesse mundo me dá tanto trabalho quanto controlar
borboletas destrambelhadas no estômago. Especialmente as nascidas por tua
causa, com esse quê de mutantes, sanguessugas, chupa-cabras. Desse modo, só por
isso, pelo cansaço de ter de andar na contramão para te acompanhar, correndo
riscos demasiados, resolvi tirar férias tranquilas de nós. Devo confessar que
também é árduo o trabalho de me conter para não te fazer provar do próprio
destempero. Para não me igualar a ti, como se eu pudesse tirar férias de mim,
resolvi tirar férias de nós. Mas, tão fatalmente obvio, aonde eu vou, estou.
Aonde eu vou, estamos. E, em se tratando de saudade, quando os olhos não veem é
que o coração sente. Agora preciso te dizer que não há borboleta no estômago,
mutante ou sanguessuga, que resista a azia causada por tua constante acidez. Eu
sei, parece mais acertado chutar o balde antes que ele fique cheio demais. Passamos da conta, tudo bem. Quando você passou a dizer "Madalena, quando o stresse é maior que o
prazer, não vale a pena" eu percebi que sempre fomos, um para o
outro, como aquele sapato lindo que no pé nunca coube, e mesmo fazendo tanto
calo a gente resiste em
desapegar. Então decidi, pra desanuviar as ideias, que pelo
trabalho exacerbado de se manter vivo o que nunca nasceu, precisamos de
férias eternas. Férias das brigas. Das reconciliações. Do que somos. Das
lamentações pelo que não somos. Das borboletas mutantes. De nós.
segunda-feira, 16 de julho de 2012
quarta-feira, 4 de julho de 2012
"Primo, sabe da última?"
"Quem pode mais do que Deus?", dizia o vô Said debochando da minha juba, quando me via acordar pela manhã. "Vem aqui, ô, Maria Betânia, vamos tomar café". Eu odiava. Chorava, esperneava... Afinal, eu era uma criança sofrendo bullying pelo avô. E hoje me vejo aqui, com o cabelo estirado da progressiva e sem o meu chato predileto. Sempre achei a expressão "aniversário de morte" escrota. Mas faz um ano que ele se foi. Apesar de sentir que entre nós faltou convivência, sei que me sobram lembranças dignas de nota, porque ele era daquele tipo de gente que não passa despercebido. "Primo, sabe da última?", e danava a contar a piada nova. Eu lembro da última, na mesa do almoço, comendo um cozidão... Sinceramente, não vi a menor graça no enredo, mas o piadista era bom. Eu lembro muito bem dele espremendo o limão e rindo sozinho, repetindo o final. "Manja, Alzira", e ria, ria... Às vezes eu acordo e me vem o velho bordão na cabeça. Agora, sem choros de raiva, só de saudade, posso responder: quem pode mais do que Deus? Ninguém, vô. Ele decidiu, há um ano, que estava na hora de findar com as piadas. Decidiu que era chegada a hora do teu descanso. Mas tem um pedacinho de ti em cada filho e neto presepeiro e feladaputa (aquele velho apelido carinhoso) que você deixou, visse?
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