Já no elevador, eu tive um pequeno lapso de
consciência. Uma prévia da culpa que certamente estaria comigo ao amanhecer, chegando
matreira e se instalando aos poucos. A imagem no espelho, que ia
do chão ao teto, me encarava. Descabelada, maquiagem borrada, roupa
amarrotada, ela me perguntava o que eu fazia ali de novo, e o que eu
esperava daquilo tudo. É, Madalena, você não tem vergonha nessa cara amassada de bolacha,
ela dizia. Desviei o pensamento.
Aliás, a música que tocava o
desviou. Porra de sertanejo universitário. Nem os elevadores estão a
salvo. No taxi, na volta pra casa, tocava exatamente a mesma. Ou não. Pra
mim é tudo igual. Na verdade, eu queria pensar em qualquer coisa,
ainda que fosse na descoberta da causa e da cura pra aquela
virose musical que tomava conta do país e, por culpa do fresco do Michel Teló,
do resto do mundo. Eu só não queria pensar no que tinha acabado de fazer.
Em casa, joguei a bolsa num canto e me sentei no chão frio.
Quis me livrar das roupas, dos enfeites coloridos e me despir da falsa alegria
que eu vestia pra convencer a mim, a ele e ao resto mundo de que tava tudo
muito bem. Tudo muito lindo. Que a gente podia continuar nessa. Ai, ai... Sou
tão bem resolvida. Tô numa boa, cara. Nem ligo se sou a uma ou a outra. Nem
ligo se eu sou a de sábado a noite ou a de segunda na hora do almoço. Nem ligo
se esse canalha me esquece no instante em que eu bato a porta. Nem ligo... Nem
ligo... Uma ova.
Pus minha cara de pau embaixo do chuveiro. Fechei os olhos
e imaginei a água me lavando a alma. Queria me livrar do nosso cheiro. Daquelas
marcas. Mas eu queria mais ainda me livrar daquela máscara de rudeza. Eu queria
era deixar de repetir pra mim mesmo esse discurso de gente autentica,
desprendida e babaca que eu criei. Eu queria o silêncio. Mas o silêncio nunca é
pleno. No meu quarto, o relógio me emputecia num tic-tac ensurdecedor. A
vizinha, pra variar, ouvia a porcaria do sertanejo universitário.
Risadas ao fundo. Bomba d'água. Ratos no forro. Desisti.
Caí no sono e acordei com a maldita da ressaca. Era assim todas as vezes.
Dor de cabeça, boca seca, culpa católica e as velhas promessas de sempre.
As velhas promessas de nunca. Nunca mais vai acontecer. Nunca
mais eu vou te ver. Nunca mais eu me embriago de você. Nunca
mais... Até me render facilmente à próxima crise de abstinência.
A próxima mensagem sacana no meio da noite. Com o perdão da expressão, mas,
puta que pariu, ressaca amoral é um porre.
Contos de Madalenaaaa? *-*
ResponderExcluirSempre bom vê-la.
Muito bom, Ray. ^^